27 de novembro de 2019

A Poesia resiste, apesar de tudo

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A poeta e escritora  Rosani Adal falou no Papo  de Boteco sobre a importância da poesia como instrumento de resistência a governos ditatoriais e como este gênero literário consegue sobreviver nos dias de hoje.  

“A poesia foi alvo da censura durante as ditaduras do país pelo fato de ser uma linguagem direta, que atinge o leitor na hora. Por esse mesmo motivo, sempre ficou na sombra, sendo preterida pelos editores”, afirmou a escritora, poeta, jornalista e publicitária Rosani Abou Adal, durante o Papo de Boteco, que aconteceu no dia 25 de novembro passado. O evento é uma realização da Galatica Educação e Cultura (www. galatica.com.br) e acontece mensalmente no Sujinho, bar e restaurante.

Outro assunto da conversa foi o descaso dos nossos governantes pela Cultura e Literatura, principalmente nos dias atuais, com cortes de verbas nos setores de Cultura e Educação. Ao falar  sobre o tema Poesia é resistência?, Rosani Adal lembrou que a poesia sempre foi resistência e uma forma de luta contra os governos totalitários.

Citou como exemplo poetas censurados sob o governo de Getulio Vargas e também na ditadura militar, que se extendeu por duas décadas no Brasil. Entre eles estão Carlos Drummond de Andrade, Wally Salomão, Fernando Gabeira e Pádua Fernandes, entre outros.

O prisioneiro político Alex Polari de Alverga, preso durante 20 anos, é um exemplo de resistência por meio da poesia. O poeta lançou seu primeiro livro de poemas, Inventário de Cicatarizes, em 1978.  Seu segundo livro, Camarim de Prisioneiro, é lançado em 1980. Na poesia de Alex Polari se manifestam de maneira forte e direta experiências de cárcere e de tortura. Rosani Adal leu, com dramaticidade, um de seus poemas.

O poeta, repentista e declamador Pompílio Diniz teve parte da edição do seu livro Canto da Liberdade queimado em praça pública porque o escritor desafiava o governo militar com os seus repentes. Ferreira Gullar, poeta e ativista político, produziu uma poesia engajada e se envolveu com os Centros Populares de Cultura (CPCs). Perseguido e exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, Chile e Argentina, onde escreveu o seu famoso Poema Sujo.

As músicas também foram vítimas da censura, uma vez que a letra pode ser considerada como poesia. Chico Buarque foi o compositor brasileiro com mais músicas censuradas e proibidas, inclusive peças de teatro musicais, como Calabar. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Raul Seixas e Geraldo Vandré também estão na relação dos autores perseguidos.

A poesia sempre foi resistência. Na ditadura militar edições inteiras de livros foram queimadas. Hoje, as redes e mídias sociais alimentam leitores com fakes news, num retrocesso contra a redemocratização da leitura. A poesia está viva nos saraus e festivais poéticos e conquistando cada vez mais públicos e assim resistirá como forma de protesto ao descaso dos nossos governantes com relação à leitura e à Cultura”, afirma Rosani Adal.

Poeta premiada

Rosani Adal tem diversos livros de poesia publicados. Seus poemas foram traduzidos para o inglês, espanhol, francês, húngaro, grego e italiano. É autora dos livros de poemas Mensagens do Momento (1989), De Corpo e Verde (1992) e Catedral do Silêncio (1996). Participou de antologias no Brasil, França, Portugal, Itália e EUA.

Manchetes em Versos é o seu mais recente lançamento. A obra reúne poemetos, de duas a cinco linhas, tão sintéticos como as manchetes dos jornais e revistas, que enfatizam a devastação do homem, animais e do Planeta, a solidão, a fome, o amor, o desamor, o social, político, econômico, a vida, esperança, o sexo e as carências dos seres, o abandono de idosos, crianças e homens e a ecologia, entre outros temas atuais.

Segundo Raquel Naveira, escritora, professora universitária, crítica literária, Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo: “Rosani, mergulhada numa São Paulo caótica, cruel e complexa, também descobre ao seu redor, na sua leitura de mundo, notícias e tragédias que se transformaram em Manchetes em Versos.

Diante da anulação e da solidão, resta o olhar compassivo para os abandonados, os excluídos, os enfermos, os encarcerados, as crianças e os velhos, as duas frágeis pontas da vida: “Crianças raquíticas/ comem o resto/ da comida dos porcos”, “Idoso a morrer só/ no leito do hospital”, enquanto os políticos e as autoridades constituídas se banqueteiam com “Lagostas regadas/ de espumante francês/ nas mesas dos Três Poderes,/ a fome devastando sonhos/ nos pratos da periferia.” A fome dos corpos e das almas, plantada “no coração dos homens.”

Sempre crítica, Rosani Adal afirmou no Papo de Boteco: “não adianta despoluir o meio-ambiente, se antes não houver a despoluição das mentes dos políticos e da população”.

Jornal literário

Rosani Adal  pode falar de cátedra sobre literatura e resistência, pois mantém em circulação há trinta anos consecutivos o jornal literário mensal Linguagem Viva, fundado em 1989 em parceria com Adriano Nogueira (1928 – 2004), tendo como objetivo divulgar a Literatura e o escritor brasileiro com pouco acesso na mídia.

O jornal tem coluna de livros e notícias e abriga poemas, contos, crônicas, resenhas e colaborações do mais conceituados críticos e escritores brasileiros. Como poeta e editora do jornal, pretende trocar experiências com o público presente.

Atualmente, é apresentado em  formato tablóide com 8 páginas em preto e branco, encartado no jornal A Tribuna Piracicabana e distribuído a escritores, entidades, academias, professores, livrarias, editoras, assinantes e colaboradores.

Também é disponibilizado nas versões impressa e online (www.linguagemviva.com.br). O jornal Linguagem Viva, além de ser um instrumento de resistência da Literatura no país, mantém viva a poesia,  dando oportunidade democrática a todos, inclusive aos iniciantes que tenham qualidade literária.

“Jornais destinados à Literatura e Cultura geralmente têm vida curta. O Linguagem Viva sobrevive há trinta anos sem apoio de órgãos governamentais e da iniciativa privada, com poucos recursos, com a ajuda de amigos.  Enquanto existir alguém como fome de leitura, o jornal continuará circulando. Os colaboradores altamente qualificados – escritores, professores universitários e críticos – são o leimotiv da nossa sobrevivência”, explica Rosani Adal.

Rosani Abou Adal é escritora, poeta, jornalista, publicitária, editora do jornal literário mensal Linguagem Viva desde 1989, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas no Estado de São Paulo e membro da Academia de Letras de Campos do Jordão.

O Papo de Boteco é uma criação da Galatica Educação e Cultura.  O conceito é de um happy hour para a mente, com a proposta de por novas ideias na cabeça e provar que é possível ter uma conversa de conteúdo num ambiente descontraído, fora dos meios acadêmicos.

Realizado desde o início de 2019, o Papo de Boteco tem como local de reunião o tradicional Restaurante Sujinho. Com seu nome irreverente, o Sujinho segue com uma história com mais de 50 anos. O clima descontraído, o ambiente aconchegante e uma comidinha simples, mas com sabor da casa da mamãe, reforçam suas tradições.

Fotos do evento (clique nas imagens para ampliar):