23 de julho de 2019

O velho Teatro São José

Compartilhe

Na São Paulo da primeira década do século XX. A Rua Barão de Itapetininga começava no Viaduto do Chá, fazendo esquina com a Rua Xavier de Toledo. Só depois da construção do Tetro Municipal foi que se criou a pequena praça – chamada popularmente de Largo do Teatro – que, após a morte do famoso arquiteto em 1928, passou a denominar-se oficialmente Praça Ramos de Azevedo.

A esquina era muito modesta, ninguém ilustre residia ali e nem existia qualquer prédio público digno de nota. Apena algumas casinhas assobradadas assentavam-se onde hoje está o antigo prédio do Mappin, deitando quintais para os lados do Piques.

As obras do Teatro Municipal, iniciadas em 1903, iam adiantadas quando a empresa Guimarães Aragão e Comp., sob a direção do arquiteto Carlos Ekman, começou a cravar naquela esquinas os alicerces de um outro teatro, que se chamaria São José (o historiador Antônio Barreto do Amaral, em Velhos Teatros de São Paulo, atribui a construção ao engenheiro Regino Aragão).

Projetado em estilo eclético, era um grande teatro, capaz de abrigar comodamente mais de 2000 espectadores (387 cadeiras na plateia, 39 camarotes, 28 frisas, 356 lugares no anfiteatro, 415 nos balcões e 629 nas galerias). As portas se abriam para o Viaduto do Chá e para a Rua Xavier de Toledo. Dispunha de muitas salas para administração, espera dos espectadores, instalação de bufê, sanitários e outros. O palco, um dos maiores que São Paulo já teve, era adequado a qualquer tipo de espetáculo e tinha poço de orquestra capaz de abrigar 70 músicos, traze camarins e quatro salas de comparsaria. A plateia, na forma tradicional de ferradura, aproveitava o declive para o Vale do Anhangabaú e oferecia excelente visibilidade do palco, que se situava ao fundo, nas vizinhanças da Rua Formosa.

Naquela época, São Paulo recebia a visita de companhias teatrais, de ópera e de operetas; vindas da Europa e do Rio de Janeiro. Antonio Barreto do Amaral considera que o ano de 1909 “foi dos melhores para o teatro paulistano”. Funcionavam então, no centro, os teatros Politheama, Moulin Rouge e Cassino e, no Brás, o Colombo, inaugurado em 1908.

O Municipal estava em fase de acabamento quando, a 28 de dezembro de 1909, o São José foi entregue ao público. Uma obra desse porte, imagina-se, teria merecido grandes festejos ao abrir as suas cortinas pela primeira vez. A realidade, porém, foi bem outra. A visita de Rui Barbosa a São Paulo atropelou os preparativos da inauguração do teatro. O candidato civilista à Presidência da República e famoso tribuno vinha à capital do Estado e às principais cidades precedido por intensa campanha jornalística. O Correio Paulistano, que o apoiava, durante quase todo o mês de dezembro não fez outra coisa senão descrever, nas primeiras páginas, as homenagens que o candidato recebia e os banquetes de que participava.

De qualquer forma, tudo leva a crer que os próprios donos do empreendimento não estavam interessados em quaisquer pompas na inauguração do teatro. Anunciada para a noite de 27 de dezembro, a abertura deu-se no dia seguinte, sem os discursos da moda na época, sem brindes e sem flores. Apenas a execução do Hino Nacional, sucedida pela protofonia do “Guarany”, de Carlos Gomes.

Seguiu-se a apresentação da ópera “Gueisha”, de Howen Hallo e Sidney Jones, com elenco da Cia. Ernesto Lahoz que estava fazendo temporada no Teatro Politheama e que se mudara, a partir daquela data, para a nova casa. O espetáculo de estreia do São José, um musical de aceitação pública, já havia sido representado em São Paulo, pela mesma companhia, há apenas 12 dias.

Na noite seguinte à estreia, o São José anunciou “I Saltinbanchi”, do maestro Ganné, sucedendo-se “Sonho de Valsa”, de Strauss e A “Viúva Alegre”, de Franz Lehar, que fechou a temporada de 1909.

No início de 1910, apresentaram-se no teatro: o transformista Donnini, a Cia. De Variedades Irmãos Giordano, A Cia. Silva Pinto e a Cia de Operetas La Teatral. No dia 3 de maio, quando era encenada a opereta “Vida Bohemia”, de Herchmann, estava presente na plateia o poeta Olavo Bilac que, antes do espetáculo, solicitado a falar, ressaltou o progresso de São Paulo.

Seguiram-se as temporadas das companhias: Alemã de Operetas, sob direção de Augusto Pepke; Lárica Italiana Schiaffino e Tuffanalli e Teatro Dona Amélia, de Portugal, sob a direção do ator Augusto Rosa.

De 29 de agosto até 16 de setembro de 1910, o Teatro São José permaneceu fechado, reabrindo com a Cia. de Operetas Zarzuelas Espanholas Sagi-Barba, que foi sucedida pela Cia. Dramática Grand Guignol. Após a despedida do elenco, ocorrida a 18 de outubro, o São José acolheu o mágico Watr, até 20 de novembro, entrando novamente em recesso até 23 de dezembro, quando estreou a Cia. Lírica Italiana Ratoli-Biloro, conjugada à Cia. Schiaffino que, em uma temporada admirável, encenou, uma após outra, as seguintes óperas: Aída, Manon Lescaut, Cavalleria Rusticana, I Pagliacci, Rigoletto, Werner, Amico Fritz Il Guarany, La Traviatta, Tosca, La Gioconda, La Bohéme, Carmen, Il Trovatore, Faust, Um Ballo in Maschera e Mefistófele. Essa temporada acabou sendo o ponto mais alto de toda a programação do teatro. Após duas semanas de interrupção, o São José recebeu a Cia. Italiana de Operetas, Óperas Cômicas e Féeries Gattini-Angelini.

Depois de nova interrupção, em junho apresentou-se a Cie. Du Théàtre Du Châtelet et de Paris, seguida pela Cia. Dramática Italiana, da atriz siciliana Mimi Aguglia, que estreou a 12 de julho, a mesma noite em que, com toda a pompa, o Teatro Municipal foi inaugurado bem defronte ao São José.

Como era de se esperar, o novo teatro oficial passou a atrair toda a vida cultural do município e o São José teve a sua programação fortemente alterada, depois de curta temporada com elencos de segunda linha, mal divulgados e assistidos por plateias reduzidas, foi obrigado a recorrer a uma fonte de renda alternativa e minguada: o aluguel das suas dependências para pequenas lojas, ateliês, oficinas de alfaiates e, até mesmo, residências. Em 1919, como teatro, está inteiramente desativado e pertence a Assunção e Cia.

Por esse tempo, a Light procurava um lugar onde pudesse instalar o seu escritório. Sediada inicialmente a Rua de São Bento, 57, a empresa canadense havia se transferido para a Rua Direita, 7 (hoje 43) e, em fins de 1907, para a Praça Conselheiro Antonio Prado. As atribuições que foi acumulando (bondes, luz, força, telefone, gás, calefação) obrigaram-na a aumentar o seu quadro funcional e, consequentemente, sua sede. Além dos 920 metros quadrados de que dispunha na Praça Antonio Prado, mantinha no edifício da Cia. de Gás e Luz o seu Departamento de Eletricidade; na Casa dos Carros, na Alameda Glete, tinha o seu setor de Tráfego e, nas salas da Cia. do Gás, parte do departamento jurídico.

Decidida a se mudar para prédio próprio, que pudesse abrigar a totalidade da administração, a Light iniciou a procura do lugar ideal. Só durante o ano de 1916 os arquivos da empresa registraram três propostas:a primeira foi a tentativa frustrada de adquirir o Palacete Prates, na extremidade do Viaduto do Chá, esquina com a Rua Líbero Badaró; a segunda, datada do mês de junho, envolvia um prédio da Rua de São Bento e, finalmente, em agosto, surgiu a oferta de alguns prédios carentes de demolição no Largo da Sé.

O oferecimento do Teatro São José, feito por Paulo Assunção, é datado de 3 de junho de 1919. Três dias depois, a Light respondeu laconicamente dizendo-se desinteressada. Dez outros dias mais tarde, contudo, procurou Assunção e reatou negociações que evoluíram lentamente até 27 de junho de 1920, quando o negócio foi fechado.

Proprietária do Teatro São José, a Light solicitou em juízo a notificação dos inquilinos, oferecendo 60 dias para que desocupassem o prédio. Com Madame Ravidadt, uma inquilina do teatro que sublocava quartos para encontros amorosos, a Light foi mais severa: apenas 30 dias. No mesmo pedido judicial solicitava, também, a retirada dos painéis de propagandas pertencentes à Água Platina e ao Cimento Rodovalho, afixados na fachada. Não obstante a eficiência do seu departamento jurídico, a empresa só se viu livre dos inquilinos que herdara em maio de 1923.

De posse do imóvel, tratou de adaptar o teatro às suas necessidades. Algumas alternativas arquivadas no departamento de patrimônio histórico da Light previam a abertura de frestas laterais em todo o corpo do prédio, de maneira a permitir a entrada de luz e ar.

Premida pela necessidade, a Light transferiu para a ala administrativa do São José o setor de recebimento de contas de luz: era primeiro de novembro de 1923, dia de Todos os Santos. Uma vez esgotadas todas as possibilidades de adaptação do prédio, a Light concluiu que o melhor seria demolir o teatro e construir no local sua sede, o GOB, como passou a ser chamado o General Office Bilding da Light.

Em 1924, os arquitetos norte-americanos Preston & Curtis foram solicitados a apresentar um projeto para a GOB: um grande edifício capaz de conter o cérebro da organização canadense. Projeto que foi rapidamente elaborado, contando com a possibilidade de ser construído em quatro fases, a saber: primeira, cinco andares de escritórios e dois neveis intermediários, faceando com o Viaduto do Chá e fazendo esquina com a Rua Xavier de Toledo; segundo, andares equivalentes, voltados para a Rua Formosa; terceira, construção de outra ala de andares, utilizando o lote de terreno anteriormente ocupado pelo Bar e Restaurante Panamericano; e, por último, sobre esse derradeiro bloco, mais dez andares de escritório.

A vantagem do projeto era a possibilidade de ser executado à medida que a empresa fosse se desenvolvendo e carecendo de maiores espaços. A Light terminou a primeira fase em 1929 e a segunda em 1941; o restante do projeto não foi retomado. Para a sua execução, foi contratado o Escritório Técnico Ramos de Azevedo, Severo e Villares S.A. A 29 de agosto de 1924 foi assinado o contrato para a demolição do São José. A empresa encarregada foi a Ramos de Azevedo; o valor do contrato, 80 contos de réis; prazo 90 dias.

Rapidamente, a paisagem paulistana foi destituída de um edifício a que os pedestres já se haviam acostumados a ver por 25 anos: o Teatro São José. Era o segundo desse nome, pois existira anteriormente um outro São José, situado onde hoje está a Praça João Mendes, inaugurado em 1876 e que teve fim em um incêndio ocorrido em 1898.

O entulho resultante da demolição do teatro da Light serviu para o aterramento da área onde, em 1925, Ramos de Azevedo ergueria o Mercado Central de São Paulo. Algumas peças decorativas, como os mascarões e as esculturas em cimento que guarneciam as fachadas do Teatro São José, foram aproveitadas na decoração da residência de Francisco de Castro, mestre de obras português e proprietário de pequenas casas de aluguel no bairro do Bixiga: a Vila Itororó, situada à Rua Maestro Cardim, números 12, 18 e 60 a 84, e fundos para a Rua Martiniano de Carvalho, onde até hoje se encontram.

Pedro Nastri