24 de abril de 2025

E se um Papa fosse brasileiro? – Por Mouzar Benedito

Fumaça branca representa a escolha do novo Papa. Créditos: Wikimedia Commons
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Publicado na Fórum  22/04/2025 

reprodução autorizada pelo autor

Se um dos cardeais brasileiros se tornasse Papa, valeria a máxima de Tom Jobim. Iriam procurar todos os tipos de defeitos dele

Estava me lembrando dos 40 anos da morte de Tancredo Neves quando vi a notícia da morte do Papa Francisco. Nada a ver uma com a outra, a não ser a data, com 40 anos de diferença.

E me vieram à cabeça umas coisas que já andei ruminando antes, muito variadas, como a herança política de Tancredo, o fato de nenhum brasileiro ter ganhado o Prêmio Nobel (especialmente o de literatura, mas poderia ser também de medicina, de física, da paz…) e de apesar de o Brasil ser (ainda que caminhe pra deixar de ser) o maior país católico do mundo.

Sobre a herança política de Tancredo, o herdeiro deveria ser seu neto, Aécio. Mas, apesar de não ser fã de Tancredo Neves, reconheço que ele teve qualidades não herdadas pelo neto. Por exemplo: nunca foi golpista. Juntava gente, enquanto o seu neto cria encrencas como não ter se conformado com a derrota para Dilma Rousseff e assumir que não a deixaria governar, faria tudo o que fosse possível para que seu governo não desse certo. Criou dificuldades o tempo todo (e que se dane a vida dos brasileiros, né?) e foi participante ativo do golpe a que chamaram de Impeachment. O Brasil deve em parte a ele a agonizante fase do PSDB.

Eu me lembro bem do calvário de Tancredo, começado na véspera do dia em que assumiria a Presidência da República, em março de 1985. Transformaram a tragédia dele (não por sua culpa) numa coisa espetaculosa. Depois de algumas semanas de cirurgias e notícias pouco esclarecedoras, corria o boato de que ele já estaria morto e esperavam o momento propício para anunciar isso.

No dia 21 de abril de 1985, um domingo, eu tinha combinado com meu amigo e conterrâneo Luiz, então diretor de jornalismo da TV Manchete (que tinha bem mais audiência do que sua substituta Rede TV!), de jantarmos num restaurante alemão no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Nós nos encontraríamos às 7h da noite lá, para bebericar um pouco antes de pedir a comida. Cheguei com a namorada no horário combinado e ficamos esperando. O tempo passava e o Luiz não chegava. Ele não era de se atrasar e comecei a me preocupar: teria acontecido alguma coisa com ele? Lá pelas 8h, usei o telefone do restaurante para ligar pra TV Manchete, querendo notícias dele. E ele mesmo atendeu, dizendo que queria se comunicar comigo, mas não sabia como, porque na época não havia celulares. Informou, então: “O Antônio Brito [porta-voz de Tancredo] vai anunciar às 9 e meia que o Tancredo morreu, então tive que vir pra cá pra organizar a transmissão da notícia e a repercussão”.

Então, ele já estava morto? Perguntei, mas mineiramente não me disse que sim nem que não.

Nobel, por que não?

A Argentina tem cinco premiados pelo Nobel (dois de Direitos Humanos, dois de Medicina e um de Química), e vários outros países latino-americanos também tiveram premiados. Até mesmo a Guatemala. E o Brasil, necas! Não teve merecedores? Olha… Se a gente olhar a história de alguns brasileiros da área de Medicina, como Vital Brazil, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Nise da Silveira, acho que não ficam a dever a muitos dos ganhadores.

Nobel da Paz, que já foi dado até pro Henry Kissinger, então secretário de Estado dos EUA, que estava mais pra guerra do que para a paz, além de alguns inexpressivos, será que Dom Hélder Câmara não merecia tanto ou mais? Na Física, César Lattes certamente era um merecedor.

Em Literatura é que mais me surpreende o fato de nenhum Nobel ter vindo pra cá. Li livros de vários ganhadores, gostei muito de alguns, como o português José Saramago, e não gostei de uns que achei nada demais, como o sul-africano John Maxwell Coetzze, que achei chato demais. Da sul-africana Nadine Gordimer, muito festejada e elogiada, li uns livros e não digo que não gostei, mas também não vibrei com eles. Até o cantor e compositor Bob Dylan (acho que Chico Buarque mereceria mais).

Tem latino-americanos que gostei, como o colombiano García Márquez, o mexicano Octavio Paz, o guatemalteco Ángel Asturias e os chilenos Pablo Neruda e Gabriela Mistral. Mas nenhum brasileiro merecia entrar nessa lista?

Vejam como de uns tempos pra cá Clarice Lispector e Machado de Assis têm sido elogiados como merecedores de entrar na lista de melhores escritores do mundo. E fora eles, acho que o mundo ainda vai “descobrir” Drummond, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo, João Cabral de Melo Neto, Darcy Ribeiro, Cecília Meireles, Graciliano Ramos e Jorge Amado (este, traduzido numa porrada de línguas, mais “popular” do que os outros citados). Andei pensando uns anos atrás em mais alguns brasileiros contemporâneos que achei muito melhores do que alguns premiados que li. Entre eles, o pantaneiro Manoel de Barros, o amazonense Márcio Souza, o paulista Julio Chiavenatto, a mineira Adélia Prado e muitos outros…

Sei que muitos vão ironizar, rebaixando o valor deles e dizendo que não têm “estatura” pra isso. Mas vejam muitos dos que ganharam. No mínimo, pode-se dizer, não são melhores. Ao mesmo tempo, lembro: se algum desses ganhasse, iriam cair de pau em cima dele aqui. Como disse Tom Jobim, “sucesso, no Brasil, é afronta pessoal”.

Iria chover matérias procurando erros nos livros do ganhador, histórias que julgam “desabonadoras” do seu passado, e por aí vai. O famigerado complexo de vira-lata chegaria ao ápice aqui.

Bom… e por que não um papa?

Há décadas, antes que os evangélicos começassem a tomar conta do Brasil, nosso país era muito falado como “o maior país católico do mundo”. Brinquei: por que a sede da Igreja não é aqui? Deveriam transferir de Roma para cá. Acho que ainda tem o maior número de católicos, mas vai perdendo essa condição aos poucos e, embora tenha muitas críticas à Igreja, não acho que essa perda traz alguma vantagem. Ser evangélico não é nenhum defeito, mas ser fanático, sim. E esta é uma característica de grande parte dos religiosos que são talvez maioria deles por aqui, que extrapolam suas crenças querendo impor a todo mundo a sua fé e o seu comportamento.

Mas logo depois que pensei nesta hipótese, imaginei como seria o reinado do Papa aqui, naquela época. Com certeza, de vez em quando teria que dar um pontapé inicial num clássico do futebol, como Corinthians e Flamengo; televisivos iriam insistir para que fosse jurado do programa de calouros do Chacrinha ou do Sílvio Santos; ainda na TV, teria que dar entrevista à então “rainha das noites de domingo”, Hebe Camargo, respondendo a perguntas clássicas do seu programa, como “o que acha da minissaia?”. Seria a avacalhação do papado, né?

Ah, e sendo sede da Igreja, provavelmente teria algum papa antes do argentino Francisco que, aliás, venceu no conclave (a reunião de cardeais) o brasileiro Odilo Scherer, considerado favorito.

A igreja já teve papas progressistas, como João XXIII, apoiador da Teologia da Libertação, mas teve alguns…. vixe! Pio XII colaborou com o fascismo. João Paulo II, ah… vamos lembrar. Antes dele durou pouco (33 dias), em 1978, o primeiro João Paulo, que segundo teorias da conspiração foi morto porque era progressista e poderia readotar a linha de João XXIII, relegada por Paulo VI. Quando este Papa morreu, o italiano Albino Luciani, foi escolhido como sucessor com o nome João Paulo e começou a anunciar mudanças na Igreja, daí a crença de que foi envenenado. No lugar dele, assumiu o direitista polonês Karol Wojtyla, que se denominou João Paulo II, mas era muito diferente do primeiro. Com Margareth Thatcher e Ronald Reagan, entre outros, dedicou-se a dar um chega pra lá na melhoria do mundo.

Bom… Deixemos pra lá estes todos. Em maio deve ter o conclave para escolher o novo Papa, que pode ser de Malta, das Filipinas da Hungria… muitos países, menos do Brasil. Mas há um consolo para os possíveis cardeais brasileiros: se um deles se tornasse Papa, valeria a máxima já citada de Tom Jobim. Iriam procurar todos os tipos de defeitos dele, vasculhar o seu passado à procura de manchas, que no caso de estrangeiros são “virtudes”. Por exemplo: João Paulo II teve namoradas, foi artista de teatro e participou da guerra (matou gente?). E olhe, não duvido que em poucos dias a mídia anunciaria com estardalhaço que descobriu um sujeito que, quando criança, fez troca-troca com o dito Papa brasileiro.