Camisa vermelha nessa seleção é coisa de direita – Por Mouzar Benedito

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Uma seleção xexelenta como essa não merece uma camisa vermelha. Esta cor simboliza luta, sonhos… coisas que não vemos na dita-cuja
Virou discussão uma coisa que nem sei se é verdadeira ou se é mais uma falsidade (fake news, na linguagem atual): a camisa alternativa da seleção brasileira seria vermelha.
Sou contra. E como disse no título, acho que isso é coisa de direita. Uma seleção xexelenta como essa não merece uma camisa vermelha. Esta cor simboliza luta, sonhos… coisas que não vemos na dita-cuja. É uma seleção que parece ter só comerciantes do esporte (desde os cartolas até os “atletas”), que amarelam até diante de adversários fracos. Vermelho não é cor do comércio, dos negócios, essas coisas que identificam o futebol profissional brasileiro hoje em dia.E por que digo que é coisa de direita? Simples: perdendo pra qualquer time, logo esse pessoal fanático pela camisa amarela da amarelenta CBF diria: “Também… com essa camisa comunista”. E surgiriam estórias de que a seleção perde porque quer, para desmoralizar o Brasil, porque não é “patriota” e outras invencionices.
Quero lembrar aqui uma situação em que defendi um símbolo adequado para um evento esportivo realizado no Brasil, supondo que seria bom.
Antes da Copa de 2014, a CBF e a Fifa, duas instituições comerciais que mandam no futebol, falavam em escolher um mascote para a Copa (sei que mascote é palavra feminina, mas acho estranho falar “a mascote”, então uso no masculino mesmo). Veio aí uma ideia dentro da Sosaci – Sociedade dos Observadores de Saci – ONC (Organização Não Capitalista) de estudo e defesa da cultura popular brasileira: o Saci seria “o” mascote.
Sabíamos que os comerciantes da Copa, as instituições citadas, ficariam contra. Criar e comercializar um mascote artificial envolve grana, tem que dar lucro. O Saci está aí, pronto, não dá dinheiro para agência de publicidade e qualquer um pode desenhar ou esculpir um e usar livremente. Não tem dono. Mascote, como querem, tem que ter dono. Se não tiver, o possível dono não lucra.
Mas vejam nossos argumentos a favor do Saci: ele representa os três povos formadores do brasileiro: o indígena (sua origem foi entre os povos tupi-guarani), o africano (foi transformado em negro pelos colonizadores, que queriam demonizar a cultura indígena e falavam dele primeiro num demoniozinho e depois o transformaram em negro porque tinham preconceito e achavam que piorariam a imagem do nosso perneta) e o europeu (o gorrinho mágico existe em personagens do folclore português, foi trazido de lá). Só não representa os orientais, que chegaram aqui no século XX, quando o Saci já estava com suas características atuais.
Além disso, o Saci representa (ou representava) o brasileiro por outro motivo: é preto (portanto vítima de preconceito de uma sociedade racista), perneta (outro motivo para sofrer preconceito) e pobre (nem roupa tem, só aparece de calção na TV porque não deixam aparecer pelado), e mesmo assim é alegre e divertido, gozador, feliz. Quer coisa mais brasileira do que isso, antes destes dias atuais de gente raivosa, direitista?
E tem mais: nestes tempos em que tanto se fala em meio ambiente, o Saci também representa bem, pois é protetor da floresta.
Havia mais motivos para a escolha de um ícone da cultura popular brasileira. Um deles é que, se fosse escolhido, seria um incentivo para valorizar a cultura popular brasileira, estimular o estudo e festejos não só do Saci, mas de outros seres do nosso imaginário, como a Iara, o Curupira, o Boitatá, o Caipora (em alguns lugares, “a” Caipora), o Mapinguari, o Boto… E isso não se restringiria ao Brasil: despertaria no mundo inteiro um interesse pela cultura popular brasileira e seus elementos.
Antes disso, algumas pessoas que usaram camisetas com imagens do Saci na Europa contaram que despertavam um interesse enorme nas pessoas de lá, que perguntavam o que era aquilo, ouviam sua história e ficavam fascinadas. Algumas pessoas dessas foram convencidas a trocar a camiseta do Saci por uma outra de lá… Imaginem o brasileiríssimo Saci em camisetas australianas, francesas, italianas, espanholas, alemãs, suecas, japonesas, mexicanas, canadenses etc. Seria uma novidade imensa, pois estamos acostumados a ver elementos culturais vindos só de lá pra cá, nada de cá pra lá. Seria o Brasil dando o troco.
Bom, e tem mais: esses mascotes “inventados” pela Fifa dão lucro para os organizadores de Copas do Mundo de futebol e de Olimpíadas mas se apagam logo depois. Não caem no gosto popular, não são nem lembrados. O único mascote festejado internacionalmente e lembrado durante muito tempo foi o ursinho Misha, das Olimpíadas de Moscou, de 1980. Por quê? Porque ele fazia parte da cultura russa. Isso aconteceria também com o Saci.
Como prevíamos, a Fifa e a CBF descartaram logo o Saci. Inventaram um tal de Fuleco (que nome mais fuleiro!), um infeliz tatu-bola… Tatu-bola numa copa de futebol? Bola é para ser chutada! Bom… Alguém aí se lembrava do tal Fuleco?
Na época, antes da escolha do mascote, escrevi um artigo com uns senões, se decidissem pelo Saci. Podem dizer que eu me inspirei na história infantil da raposa que não alcançava os cachos de uva e fingia desprezo pela fruta, dizendo que “as uvas estão verdes”, tudo bem. O que eu dizia é que o Saci tinha um nome a zelar (re-re-re…). Se fosse para ser uma Copa mal organizada era melhor que ele não fosse mascote, pois diriam: “Também… Com um mascote desses!”. Babacas (canalhas, melhor dizendo) jogariam nele a culpa por qualquer fracasso.
A Copa, com protestos contra ela e tudo mais, foi bem organizada, mas a seleção brasileira, vixe! Que decepção no 7 a 1 que a Alemanha surrou a seleção amarelada, que amarelou recentemente também contra a Argentina (“só” 4 a 1). Se o Saci tivesse sido mascote, diriam que a culpa foi dele. E esse pessoal da extrema direita especialista em fake news (ói eu usando essa expressão modernosa) certamente propagandearia isso. E muita gente, principalmente os patriotários que louvam tudo que vem da gringolândia, aceitaria isso com a raiva de sempre contra tudo o que é do Brasil.
Então… tá aí um motivo porque acho que a esquerda deve dizer NÃO à camisa vermelha de uma seleção que não honra essa cor. Desde 2006, a seleção brasileira se dedica ao fracasso, tanto jogadores quanto dirigentes parecem ser apenas comerciantes da bola, com raras exceções. Amarelar de camisa vermelha, não!
Se voltarmos a ter um futebol de verdade, aí sim. Misturamos as cores da bandeira brasileira, todas elas, à cor que simboliza a luta, os sonhos, um futuro melhor…