22 de fevereiro de 2022

LIVRO BASEADO EM PESQUISA TRAZ IMPORTANTES REVELAÇÕES SOBRE CRIANÇAS EM CASA DE ABRIGO

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Crianças entrevistadas também se expressaram através de ATIVIDADES com colagens e fotografias. O estudo analisa pontos fundamentais como estereótipos na educação de gênero, uso de medicamentos no controle das crianças abrigadas e questionamentos sobre métodos disciplinadores.  

Acaba de ser lançado o livro Infâncias abrigadas: impressões de crianças em situação de abrigamento, escrito pelo pedagogo Antonio Feitosa. A obra baseia-se em pesquisa realizada pelo autor em Casa de Abrigo de Novo Hamburgo (RS), onde ouviu crianças e adolescentes de cinco a doze anos e revelou o que eles pensam sobre o espaço em que estão abrigados, além de seus desejos e expectativas sobre a própria vida.

Há uma nota introdutória do autor e prefácio de Leni Vieira Dornelles, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  No livro, o autor revela como surgiu a ideia de fazer esse trabalho, como foi estruturado e posto em prática e quais as conclusões a que se chegou.

O grande diferencial e mérito da obra está em levar ao grande público os resultados de uma pesquisa que deu voz e meios dos entrevistados se expressarem, pois ainda são raras no país iniciativas  desse tipo. Para pesquisar as crianças, o autor se baseou em duas questões por ele elaboradas: Como as infâncias são produzidas nas casas abrigo e quais as impressões das crianças sobre o espaço de abrigamento.

“As crianças abrigadas têm muito  a dizer sobre as culturas em que estão inseridas. Como participantes da pesquisa,  elas puderam se expressar e apresentar trocas de informações e diálogos nas interações estabelecidas entre pesquisador e sujeitos pesquisados”, acrescenta.

Além de ouvir os menores abrigados, Antonio Feitosa também quis que expressassem suas ideias, opiniões e impressões sobre a casa abrigo e o momento em que viviam na instituição por meio de colagens e criação de maquetes com caixas de papelão, que responderiam à seguinte pergunta: Quais os lugares que as crianças gostariam que existissem na Casa Abrigo?

Outra forma de se expressarem foi por meio de fotografias por eles feitas nos espaços que mais gostavam na casa de abrigo, sendo que deveriam justificar, oralmente, o porquê dessa escolha e preferências.

Esse material  (maquetes, colagens e fotografias) também serviu como elemento para conversas realizadas em grupo ou individualmente, possibilitando discussões entre os internos e o pesquisador sobre os trabalhos desenvolvidos.

As crianças da pesquisa destacaram que sofrem com a falta  da  família,  vulnerabilidade  social,  privação  da  liberdade, dúvida  sobre o tempo em que permanecerão no abrigo. Também reclamam do excesso de disciplina, da falta de privacidade, de ter um espaço só seu e das brigas com os colegas.

O quarto das meninas 

A fotografia escolhida por Taís (nome fictício) denomina-se Meu Dormitório, escolhido como o seu lugar preferido  na  Casa  Abrigo.   A menina  Taís,  em  sua  narrativa,  apontou  esse  espaço  como um  lugar  das  meninas que  está sempre  organizado. O  quarto  infantil,  especialmente  o  desta  menina,  é  narrado  como  um quarto que deva ser um lugar bonito, digno de admiração de quem o vê.

Num  lugar  de  passagem,  onde os abrigados não podem ter alguma coisa que seja só sua, que o identifique como seu, Taís ensina que era capaz de reconhecer a “sua cama” por uma marca na madeira quebrada. Isso mostra que as  crianças abrigadas,  mesmo  sem  haver  identificação  dos  seus  pertences,  seja  cama ou armário  de roupas, os sinalizam com uma “marca pessoal”, capazes de associar os objetos com a sua identificação pessoal.

Diferenças de gênero

A diferença da educação de gênero no abrigo fica evidenciada quando Taís fala que o dormitório das meninas está sempre organizado, mostrando características naturalizadas desde a infância. Ou seja, cabe a elas, por serem meninas, a “obrigação” de serem “organizadas”, “delicadas”, “quietas”, “obedientes” e “meigas”. Isso é também o que esperam delas os funcionários da casa abrigo.

Em seguida ela fala já os meninos não são organizados: deixam os pijamas fora da cama e ressalta que eles são malandros, não tem hábitos de estudo, saem para jogar bola, faltam às aulas, incomodam, brigam e dão  empurrão.

As crianças na casa abrigo expressam estereótipos sobre masculinidade e feminilidade. Há uma legitimação de modelos de comportamentos diferentes para meninos e meninas. Ou seja, as intervenções adultas interferem no brincar, além de criar estereótipos, buscando assim construir identidades de sujeitos masculinos e femininos através de comportamentos consagrados e legitimados na sociedade, como meninas brincam de casinha e não podem brincar de carrinhos. Na verdade, estas concepções de gênero presentes na Casa Abrigo refletem o que está enraizado na família e na sociedade.

Remédios e comportamento

Marcos (nome fictício), com nove anos, escolheu fotografar o seu lugar preferido na Casa Abrigo: a Sala dos Remédios.

A  ênfase do menino em  tomar  remédio  para  se  acalmar  mostra  que  ele  sabe  que  está fugindo  dos  princípios  normativos,  daqueles  que  dizem  que  todas  as  crianças  devem  ser calmas, não podem ter descontrole emocional, nem comportamento hostil, ou ter oscilação de humor, pois tudo isso escapa e o coloca no lugar da “anormalidade”. A medicação pode ser considerada um mecanismo regulador do corpo de Marcos e age para torná-lo dócil.

Dessa  forma,  a  ciência  médica está  autorizada  a  corrigir  os  sujeitos  através  da medicação e, assim, fazê-lo para escapar da anormalidade. Nessa  perspectiva,  justifica-se  a  importância  de  normalizar  as  crianças  por meio   da medicação,  podendo  esta  ser  considerada um  instrumento,  ou um  mecanismo  que visa padronizar todas as pessoas como calmas, normais, com o propósito de normalizar suas condutas e assim adequá-las às normas, às regras, ao disciplinamento.

Controle e disciplina

Marlon (nome fictício), 8 anos, trouxe  poucas  roupas  de  casa.  “A  tia  Eliete  é  quem  dá  as  roupas.  Quando  a  roupa está  rasgada,  a  tia  a troca  por  outra.  Adoro  ficar  organizando  as  minhas  roupas.  O  armário  é pequeno,  mas  cabem  as  minhas  roupas.  Hoje  mesmo  a  tia  me  deu  uma  roupa  quando  saía do banho”, elogia.

Mas também faz críticas: “aqui tem colega que me bate. A Tia […] é braba. Ela deveria xingar um colega  que  bateu  na  minha  irmã  e  não  fez  nada. Aqui  os  computadores  estão  estragados. Há  jogos  faltando  peças.  Essa  sala  poderia  ser  mudada.  As  janelas  são  feias,  tem  torneiras pingando. Mas aqui é legal! Faz tempo que estou aqui. Minha avó vem nos visitar. Meus pais estão na droga, viviam na rua e nos deixavam em casa, sem comida, sem escola. Minha avó é que nos criou. Tenho  muita vontade de voltar  a morar com minha avó”.

Antonio Feitosa observou em sua pesquisa o quanto as crianças abrigadas vivem numa  ordem  disciplinar  e  de  organização,  evidenciadas  nos  diversos  mecanismos  de  um controle coercitivo existente na instituição. Pelas  palavras  de  Marlon,  a  Casa  Abrigo  pode  ser  considerada um  lugar  de “correção” de exercício de um poder disciplinar sobre as crianças e de controle dos seus objetos,  sustentados  como  instrumentos  de  sujeição  e  de  normalização.

Considerações da pesquisa

Antonio Feitosa destaca o mérito da sua pesquisa em dar voz às crianças abrigadas, permitindo que ao sair do anonimato passe a ser visibilizada como um ser com um entendimento e sentimento do que pensa, como age, como entende a sua vida e seu cotidiano na Casa Abrigo.

Ele também reconhece a importância e o desejo dos seus responsáveis transformar as casas abrigos em locais melhores. “As casas abrigo são necessárias no tratamento e prevenção por meio da institucionalização, para não transformar as crianças mais uma vez em vítimas. Ou seja, as crianças são sujeitos de direitos, visto que muitas vezes em suas famílias eram vítimas de violências, abusos e negligências”, afirma.

Antonio Feitosa diz não ter um modelo de uma casa de abrigo ideal, mas destaca que deve ser um local onde haja garantia de direitos das crianças abrigadas, resgatando o ambiente familiar, oferecendo a oportunidade de uma convivência afetiva, equilibrada e saudável. Uma alternativa é dar voz às crianças abrigadas e fazê-las expressarem suas opiniões. Deve também haver respeito ao tempo de permanência na instituição determinado pela lei, que é de seis meses.

Os bons resultados do trabalho de mestrado motivaram Antonio Feitosa a partir para uma nova pesquisa, já iniciada, intitulada O Quarto de Taís, sob a orientação da doutora Leni Vieira Dorneles, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A pesquisa pretende mostrar como as crianças pensam, questionam e se organizam nos “novos espaços na contemporaneidade, seu quarto de dormir” e vivem um  dia-a-dia com outras possibilidades.

 

Sobre o Autor

Possui Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2011). Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (1985) com habilitação em Supervisão Escolar. Pós-graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e Especialista em Educação pela mesma Universidade UFRGS(2008). Pós-graduado em Gestão escolar pela Universidade de Caxias do Sul (2003). Em dezembro de 2016, aposentou-se da rede pública municipal de Novo Hamburgo. Atuou como Diretor da EMEF SÃO JOÃO no período de Janeiro de 2011 até Novembro de 2016, onde teve a sua aposentadoria pela PMNH. Atualmente está voltado seus estudos e pesquisas com crianças, sendo convidado pela Dra. Leni Vieira Dornelles PGEDU-UFRGS, como integrante convidado do Projeto de Pesquisa SER CRIANÇA “ESTRANGEIRA”:Rodas de conversa com crianças refugiadas em Porto Alegre e desenvolve pesquisas com infâncias e cinema, desde 2018. Professor integrante da Organização Mundial para a Educação Pré-escolar (OMEP/BR/RS/NH)

 

Ficha Técnica do Livro

Título – INFÂNCIAS ABRIGADAS

Impressões de Crianças em Situação de Abrigamento

Autor – ANTÔNIO GENIVALDO FEITOSA

Editora- COPIART- Gráfica e Editora- Tubarão, Santa Catarina- e-mail copiart@graficacopiart.com.br

SITE – www.graficacopiart.com.br

LOCAIS À VENDA –

LIVRARIA LETRAS E CIA – Av. Nações Unidas, 2001, Bourbon Shopping, térreo.Novo Hamburgo-RS livrarianh@letrasecia.com.br

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