LIVRO BASEADO EM PESQUISA TRAZ IMPORTANTES REVELAÇÕES SOBRE CRIANÇAS EM CASA DE ABRIGO
Crianças entrevistadas também se expressaram através de ATIVIDADES com colagens e fotografias. O estudo analisa pontos fundamentais como estereótipos na educação de gênero, uso de medicamentos no controle das crianças abrigadas e questionamentos sobre métodos disciplinadores.
Acaba de ser lançado o livro Infâncias abrigadas: impressões de crianças em situação de abrigamento, escrito pelo pedagogo Antonio Feitosa. A obra baseia-se em pesquisa realizada pelo autor em Casa de Abrigo de Novo Hamburgo (RS), onde ouviu crianças e adolescentes de cinco a doze anos e revelou o que eles pensam sobre o espaço em que estão abrigados, além de seus desejos e expectativas sobre a própria vida.
Há uma nota introdutória do autor e prefácio de Leni Vieira Dornelles, doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No livro, o autor revela como surgiu a ideia de fazer esse trabalho, como foi estruturado e posto em prática e quais as conclusões a que se chegou.
O grande diferencial e mérito da obra está em levar ao grande público os resultados de uma pesquisa que deu voz e meios dos entrevistados se expressarem, pois ainda são raras no país iniciativas desse tipo. Para pesquisar as crianças, o autor se baseou em duas questões por ele elaboradas: Como as infâncias são produzidas nas casas abrigo e quais as impressões das crianças sobre o espaço de abrigamento.
“As crianças abrigadas têm muito a dizer sobre as culturas em que estão inseridas. Como participantes da pesquisa, elas puderam se expressar e apresentar trocas de informações e diálogos nas interações estabelecidas entre pesquisador e sujeitos pesquisados”, acrescenta.
Além de ouvir os menores abrigados, Antonio Feitosa também quis que expressassem suas ideias, opiniões e impressões sobre a casa abrigo e o momento em que viviam na instituição por meio de colagens e criação de maquetes com caixas de papelão, que responderiam à seguinte pergunta: Quais os lugares que as crianças gostariam que existissem na Casa Abrigo?
Outra forma de se expressarem foi por meio de fotografias por eles feitas nos espaços que mais gostavam na casa de abrigo, sendo que deveriam justificar, oralmente, o porquê dessa escolha e preferências.
Esse material (maquetes, colagens e fotografias) também serviu como elemento para conversas realizadas em grupo ou individualmente, possibilitando discussões entre os internos e o pesquisador sobre os trabalhos desenvolvidos.
As crianças da pesquisa destacaram que sofrem com a falta da família, vulnerabilidade social, privação da liberdade, dúvida sobre o tempo em que permanecerão no abrigo. Também reclamam do excesso de disciplina, da falta de privacidade, de ter um espaço só seu e das brigas com os colegas.
O quarto das meninas
A fotografia escolhida por Taís (nome fictício) denomina-se Meu Dormitório, escolhido como o seu lugar preferido na Casa Abrigo. A menina Taís, em sua narrativa, apontou esse espaço como um lugar das meninas que está sempre organizado. O quarto infantil, especialmente o desta menina, é narrado como um quarto que deva ser um lugar bonito, digno de admiração de quem o vê.
Num lugar de passagem, onde os abrigados não podem ter alguma coisa que seja só sua, que o identifique como seu, Taís ensina que era capaz de reconhecer a “sua cama” por uma marca na madeira quebrada. Isso mostra que as crianças abrigadas, mesmo sem haver identificação dos seus pertences, seja cama ou armário de roupas, os sinalizam com uma “marca pessoal”, capazes de associar os objetos com a sua identificação pessoal.
Diferenças de gênero
A diferença da educação de gênero no abrigo fica evidenciada quando Taís fala que o dormitório das meninas está sempre organizado, mostrando características naturalizadas desde a infância. Ou seja, cabe a elas, por serem meninas, a “obrigação” de serem “organizadas”, “delicadas”, “quietas”, “obedientes” e “meigas”. Isso é também o que esperam delas os funcionários da casa abrigo.
Em seguida ela fala já os meninos não são organizados: deixam os pijamas fora da cama e ressalta que eles são malandros, não tem hábitos de estudo, saem para jogar bola, faltam às aulas, incomodam, brigam e dão empurrão.
As crianças na casa abrigo expressam estereótipos sobre masculinidade e feminilidade. Há uma legitimação de modelos de comportamentos diferentes para meninos e meninas. Ou seja, as intervenções adultas interferem no brincar, além de criar estereótipos, buscando assim construir identidades de sujeitos masculinos e femininos através de comportamentos consagrados e legitimados na sociedade, como meninas brincam de casinha e não podem brincar de carrinhos. Na verdade, estas concepções de gênero presentes na Casa Abrigo refletem o que está enraizado na família e na sociedade.
Remédios e comportamento
Marcos (nome fictício), com nove anos, escolheu fotografar o seu lugar preferido na Casa Abrigo: a Sala dos Remédios.
A ênfase do menino em tomar remédio para se acalmar mostra que ele sabe que está fugindo dos princípios normativos, daqueles que dizem que todas as crianças devem ser calmas, não podem ter descontrole emocional, nem comportamento hostil, ou ter oscilação de humor, pois tudo isso escapa e o coloca no lugar da “anormalidade”. A medicação pode ser considerada um mecanismo regulador do corpo de Marcos e age para torná-lo dócil.
Dessa forma, a ciência médica está autorizada a corrigir os sujeitos através da medicação e, assim, fazê-lo para escapar da anormalidade. Nessa perspectiva, justifica-se a importância de normalizar as crianças por meio da medicação, podendo esta ser considerada um instrumento, ou um mecanismo que visa padronizar todas as pessoas como calmas, normais, com o propósito de normalizar suas condutas e assim adequá-las às normas, às regras, ao disciplinamento.
Controle e disciplina
Marlon (nome fictício), 8 anos, trouxe poucas roupas de casa. “A tia Eliete é quem dá as roupas. Quando a roupa está rasgada, a tia a troca por outra. Adoro ficar organizando as minhas roupas. O armário é pequeno, mas cabem as minhas roupas. Hoje mesmo a tia me deu uma roupa quando saía do banho”, elogia.
Mas também faz críticas: “aqui tem colega que me bate. A Tia […] é braba. Ela deveria xingar um colega que bateu na minha irmã e não fez nada. Aqui os computadores estão estragados. Há jogos faltando peças. Essa sala poderia ser mudada. As janelas são feias, tem torneiras pingando. Mas aqui é legal! Faz tempo que estou aqui. Minha avó vem nos visitar. Meus pais estão na droga, viviam na rua e nos deixavam em casa, sem comida, sem escola. Minha avó é que nos criou. Tenho muita vontade de voltar a morar com minha avó”.
Antonio Feitosa observou em sua pesquisa o quanto as crianças abrigadas vivem numa ordem disciplinar e de organização, evidenciadas nos diversos mecanismos de um controle coercitivo existente na instituição. Pelas palavras de Marlon, a Casa Abrigo pode ser considerada um lugar de “correção” de exercício de um poder disciplinar sobre as crianças e de controle dos seus objetos, sustentados como instrumentos de sujeição e de normalização.
Considerações da pesquisa
Antonio Feitosa destaca o mérito da sua pesquisa em dar voz às crianças abrigadas, permitindo que ao sair do anonimato passe a ser visibilizada como um ser com um entendimento e sentimento do que pensa, como age, como entende a sua vida e seu cotidiano na Casa Abrigo.
Ele também reconhece a importância e o desejo dos seus responsáveis transformar as casas abrigos em locais melhores. “As casas abrigo são necessárias no tratamento e prevenção por meio da institucionalização, para não transformar as crianças mais uma vez em vítimas. Ou seja, as crianças são sujeitos de direitos, visto que muitas vezes em suas famílias eram vítimas de violências, abusos e negligências”, afirma.
Antonio Feitosa diz não ter um modelo de uma casa de abrigo ideal, mas destaca que deve ser um local onde haja garantia de direitos das crianças abrigadas, resgatando o ambiente familiar, oferecendo a oportunidade de uma convivência afetiva, equilibrada e saudável. Uma alternativa é dar voz às crianças abrigadas e fazê-las expressarem suas opiniões. Deve também haver respeito ao tempo de permanência na instituição determinado pela lei, que é de seis meses.
Os bons resultados do trabalho de mestrado motivaram Antonio Feitosa a partir para uma nova pesquisa, já iniciada, intitulada O Quarto de Taís, sob a orientação da doutora Leni Vieira Dorneles, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A pesquisa pretende mostrar como as crianças pensam, questionam e se organizam nos “novos espaços na contemporaneidade, seu quarto de dormir” e vivem um dia-a-dia com outras possibilidades.
Sobre o Autor
Possui Mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2011). Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará (1985) com habilitação em Supervisão Escolar. Pós-graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1990) e Especialista em Educação pela mesma Universidade UFRGS(2008). Pós-graduado em Gestão escolar pela Universidade de Caxias do Sul (2003). Em dezembro de 2016, aposentou-se da rede pública municipal de Novo Hamburgo. Atuou como Diretor da EMEF SÃO JOÃO no período de Janeiro de 2011 até Novembro de 2016, onde teve a sua aposentadoria pela PMNH. Atualmente está voltado seus estudos e pesquisas com crianças, sendo convidado pela Dra. Leni Vieira Dornelles PGEDU-UFRGS, como integrante convidado do Projeto de Pesquisa SER CRIANÇA “ESTRANGEIRA”:Rodas de conversa com crianças refugiadas em Porto Alegre e desenvolve pesquisas com infâncias e cinema, desde 2018. Professor integrante da Organização Mundial para a Educação Pré-escolar (OMEP/BR/RS/NH)
Ficha Técnica do Livro
Título – INFÂNCIAS ABRIGADAS
Impressões de Crianças em Situação de Abrigamento
Autor – ANTÔNIO GENIVALDO FEITOSA
Editora- COPIART- Gráfica e Editora- Tubarão, Santa Catarina- e-mail copiart@graficacopiart.com.br
SITE – www.graficacopiart.com.br
LOCAIS À VENDA –
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