3 de abril de 2019

Papo de Boteco traz debate sobre as vozes femininas na literatura

Compartilhe

Primeiro Papo aberto ao público, Raquel Dommarco, tradutora, traz a reflexão sobre a mulher na literatura

 

“Pelo que a mulher resiste?”, Raquel começou perguntando nessa segunda-feira (25/03) morna, na Galeria Metrópole, região da República. O bistrô Satisfatto estava cheio e o público, interessado na pergunta provocativa.

 

A mulher, desde os tempos remotos da sociedade, passa por dificuldades únicas. O ato de ser jogada ao segundo plano, o esquecimento em grandes eventos, não ser levada a sério em carreiras de alto padrão e ser menosprezada em determinadas ocasiões.

 

No primeiro Papo de Boteco aberto ao público, idealizado pelas jornalistas Sonia Avallone e Naia Veneranda e promovido pela Galática Educação & Cultura, a tradutora e organizadora da revista Puñado Raquel Dommarco trouxe como tema: Existência e Resistência: As vozes femininas na literatura latino-americano.

 

Raquel, mestre em Cultura Contemporânea pela Universidade Complutense de Madrid, aprofundou-se no diálogo sobre a sobrevivência da mulher na literatura e trouxe trechos – traduzidos pela revista Puñado – de determinadas autoras latino-americanas.

 

Puñado, da Editora Incompleta, é uma revista impressa de literatura latino-americana, sem periodicidade definida. Traduzem e publicam contos de autoras mulheres, além de suas biografias e entrevistas com elas.

 

O público, ainda observando, se chocou com a próxima fala da especialista: “Pesquisei no Google sobre a mulher latino-americano em inglês e só apareceu imagens de mulheres concorrendo ao Miss Universo. Isso é o que nós somos?”, voltou a questionar.

 

“Há uma resistência pelo patriarcado, em que mulheres estão inseridas em um dos continentes mais machistas do mundo”, disse. Nos moldes latino-americanos, ela explicou, são mais de cinco séculos de história com alicerces fundacionais: genocídios, escravização, exploração predatória da terra, eurocentrismo, etc. “Ou seja, por causa da sociedade, a mulher sempre foi um elo mais vulnerável”.

 

Simone Kormanski, tradutora, concordou com a Raquel. Segundo ela, a mulher, antigamente, não tinha visualização e explica que hoje as mulheres estão ganhando espaço graças a elas mesmas. “As mulheres estão conseguindo conquistar o espaço, pois estamos quebrando certos padrões. Antes, não havia nem o debate sobre o papel da mulher em um círculo social”, disse.

 

 

Público no primeiro Papo de Boteco aberto ao público.

“Lugar de fala”

Raquel, em um segundo momento, apresentou as escritoras selecionadas e leu trechos de cada autora. Djalma Ribeiro, Grada Kilomba, Edwidge Danticat, Jarid Arraes, Andrea Jeftanovic, Rita Indiana e entre outras. Ela explicou que todas essas autoras passaram por tempos diferentes, mas que sentiram na pele fatos parecidos. “Menosprezada, esquecida, deixada de lado, etc. a mulher escritora, política, jornalista – não importa – torna-se vulnerável pelos padrões já estabelecidos pela sociedade”.

 

Rita Indiana, da República Dominicana, causou debate com o público. Raquel apresentou um trecho em que a escritora fala que a cultura latino-americana é parecida, porém não há uma conversação ou união entre os países. Para ela, são culturas que se ignoram. “Alguém concorda com isso?”, questionou Raquel. Mãos foram levantadas e todos concordaram. “É por causa da economia”, falou um. “A 2ª Grande Guerra Mundial foi um dos motivos dessa separação latino-americana”, opinou outro. “As ditaduras que atordoaram os países latino-americanos foram fatores fundamentais para atrapalhar o nosso desenvolvimento em conjunto”, disse outro.

 

“Sim, tudo isso está certo. Nós não nos conversamos. Somos esquecidos e esquecemos também”, disse Raquel.

 

Jarid Arraes, escritora brasileira, fala sobre a necessidade de criarmos uma lógica diferente para construirmos uma outra lógica, desde o zero.  A palestrante exalta que a fala de Jarid é um ponto importante “para crescermos de novo”, pois há construção social de que a mulher é vulnerável e que não serve para obrigações de prestígio.

 

Ficções

Indo para o final, a tradutora lê trechos de obras ficcionais das autoras. Elas falam do medo, das lutas e como sobreviveram no patriarcado. Quase todas precisaram deixar o seu país de origem para conseguirem escrever, pois não há apoio para o crescimento na literatura. “Elas são guerreiras”, complementa.

 

Mercado Editorial

Sobre o mercado editorial, Raquel deleitou sobre as mudanças primordiais no mundo literário. “Por causa desse ‘elo mais frágil da mulher’, muitas escrituras foram perdidas. Pensem só em quanta coisa boa deveria estar aí, mas foi queimada pela própria sociedade, o tal medo de perder espaço”, disse Raquel. Hoje o mundo editorial é outro. Grandes livrarias estão fechando as portas e grandes editoras estão deixando de serem as principais do mercado. “Pequenas editoras e livrarias estão crescendo. O público está mudando, e isso bom para nós, mulheres, que estamos ganhando espaço”.