16 de novembro de 2020

Política do governo quer ampliar o atendimento educacional a crianças especiais.

Compartilhe

Pedagogo especializado comenta o decreto do governo e fala sobre a inclusão de crianças com deficiência ou necessidades especiais.

Crianças com deficiência ou necessidades especiais devem frequentar escolas comuns ou especializadas? O que será melhor e mais adequado para elas?

Essas e outras importantes questões voltaram em discussão com a recente publicação, por parte do governo federal, do decreto 10.502, de 30 de setembro de 2020.

O decreto trata da nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE) para ampliar o atendimento educacional especializado a mais de 1,3 milhão de educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação no país.

Pais e educadores argumentam que voltar a colocar essas crianças em escolas especializadas seria um retrocesso na conquista dos direitos delas frequentarem escolas comuns e, assim, estarem incluídas no convívio social, preparando-se para a vida em sociedade.

Doug Alvoroçado (https://www.linkedin.com/in/dougalvorocado/) é pai, pedagogo pós-graduado em AEE (Atendimento Educacional Especializado)  com experiência em Surdez e TEA (Transtorno do Espectro Autista) e consultor em Transformação Digital para a Educação na Nuvem Mestra, do Grupo INICIE Educação (https://inicie.digital/).

Na opinião do especialista, o decreto tem alguns acertos, ao avançar a discussão sobre conceitos de equidade e aprendizagem ao longo da vida. Traz definições a fim de esclarecer as diferenças entre escola/classe bilíngue de surdos e escola/classe especializada.

Pontua também a participação de equipe multidisciplinar no processo de decisão da família ou do educando quanto à alternativa educacional mais adequada. Ou seja, a família ou o educando poderiam escolher o que considerariam mais adequado àquela criança.

Na opinião de Doug, talvez a maior virtude deste decreto seja a sua utilização como referência para a Base Nacional Comum Curricular.  Porém, ele avança pouco, ou nada, na discussão e na defesa de uma inclusão real de fato e não aponta para questões importantes como a terminalidade dos estudos.

“O decreto oferece educação e assistência com garantias, mas não amarra isso a uma política mais concreta. No quesito avaliação, não deixa concreto quais serão os indicadores que permitam identificar os pontos estratégicos na execução da Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida e os seus resultados esperados e alcançados”, analisa.

“As vozes dissonantes afirmam ser um retrocesso voltar com as escolas e classes especializadas. Eu pontuo que estas nunca acabaram e merecem até um novo olhar e uma nova oportunidade de fazer inclusão”, afirma.

Caso a caso

Doug Alvoroçado se declara 100% a favor da inclusão. Sob esta perspectiva, defende que temos que conviver com pessoas diferentes, pelo benefício de aprendermos com as diferenças, minimizarmos preconceitos e explorarmos a diversidade e suas riquezas.

Porém incluir não é frequentar a escola, ou frequentar a mesma classe de pessoas com ou sem deficiência. Incluir é criar equidade de possibilidades e gerar convivência plena e satisfatória a todos.

Assim, frequentar uma escola dita “comum” e apenas estar lá e não poder visitar a quadra ou o laboratório porque “A cadeira de rodas não passa na porta” ou “não ter elevador”, não é incluir.  Funciona por alguns poucos momentos, mas não deve ser assim.

“Escolas especializadas têm suas vantagens. Mas cada caso é um caso e deve ser analisado entre uma equipe multidisciplinar da saúde, uma equipe pedagógica, a família e principalmente o aluno (se houver condições). Estes vão juntos orientar e construir esta trajetória, que pode mudar de acordo com a evolução do caso, ou ter momentos intercalados para auxiliar o aluno”, argumenta.

Formação contínua

Professores e alunos devem estar preparados para receberem e conviverem com alunos especiais. Mas será que os professores das escolas públicas, mal remunerados e sobrecarregados, teriam condições de receber treinamento para dar atenção às crianças com deficiência ou necessidades especiais?

Doug Alvoroçado é enfático ao afirmar que a escola pública está anos-luz à frente das particulares no quesito inclusão, mesmo com profissionais sobrecarregados e, às vezes, desvalorizados.

Isso porque a natureza da instituição pública é de aceitar o aluno oriundo de qualquer lugar, em qualquer grupamento e organizar a vida estudantil dele, dando educação e assistência, definindo conteúdos e habilidades para completar este currículo pessoal.

Já os professores, todos, de qualquer instituição pública ou particular, precisam receber formação contínua e continuada para lidar com as facetas de seu fazer docente. “Manter um rotina de estudos e formação para professores organizada e mantida pelo poder público não é algo caro, e mesmo sendo um investimento não é dispendioso se ponderarmos os ganhos, além de fazer toda a diferença na carreira do professor”, observa.

Livre escolha

O decreto 10.502 determina que os os pais podem optar em matricular as crianças em classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais e classes e escolas bilíngues de surdos. Ou seja, a escolha seria determinada pelos genitores ou responsáveis, com o auxílio de profissionais especializados.

Isso porque cada caso é um caso, e deve ser analisado separadamente. Nem sempre o que os pais desejam é o melhor para a criança especial naquele momento.   

Logo, cabe às instituições orientar as famílias no processo de decisão sobre os serviços e os recursos que beneficiariam melhor ao educando, mas cabe a todos construir uma posição final democraticamente, ponderando todos os fatos, incluindo a vontade dos familiares. “A dificuldade que enxergo é se este processo será ‘construído’ e se será ‘democraticamente’, pondera Doug.

Recursos

Outra questão importante é se haveria recursos suficientes por parte do governo federal para os sistemas de ensino estaduais e municipais receberem apoio para instalar salas de recursos multifuncionais ou específicas; dar cursos de formação inicial ou continuada de professores; melhorar a acessibilidade arquitetônica e pedagógica nas escolas, e ainda criar ou aprimorar centros de serviço de atendimento educacional especializado.

Doug afirma que isso é viável e o MEC já vem investindo em Salas de Recursos Multifuncionais há algum tempo. E há verbas ocasionais para as escolas investirem nas suas acessibilidades e aquisição de equipamentos. “O processo pode melhorar, torço para que melhore mesmo, mas ele já vem sendo operado e o serviço de atendimento especializado tem crescido nos últimos anos”, explica.

Segundo o especialista, a educação inclusiva é uma parceria de todos: Escola, Poder Público e Sociedade. Inclusão se faz com todos: professores regentes e de atendimento especializado (AEE), mediadores e agentes de apoio, equipe gestora e de serviços, famílias e alunos.

Na prática essa parceria funciona. Os maiores empecilhos são os que já são velhos conhecidos: salas superlotadas, falta de período de planejamento, burocracia exagerada, condições não favoráveis de trabalho, falta de apoio e formação.

“Nos meus anos de AEE tive excelentes experiências com professores e escolas e fizemos trabalhos incríveis. Também tive experiências não exitosas. A parceria é a chave, mas descobrir como fazer a parceria funcionar nas condições corretas é o segredo do cadeado”, assegura.

Vencendo desafios

Outra questão fundamental é a de como vencer os grandes desafios da educaçao inclusiva, tais como fortalecer a formação dos professores; criar uma rede de apoio entre alunos, docentes, gestores escolares, famílias e profissionais especializados; e eliminação das barreiras arquitetônicas (físicas) e barreiras no currículo (pedagógicas), entre outros.

Doug acredita que estes desafios estão sendo enfrentados, mas seriam necessários mais investimentos na educação e política pública a fim de permitir que professores e agentes educadores tenham melhores condições de trabalho e planejamento.

E também a construção de uma rede de apoio entre saúde e educação para fomento de decisões e aportes em tecnologia e acessibilidade. Investimentos pesados nestas áreas seriam o começo de uma vitória.

Mas será que professores, funcionários e os próprios alunos de escolas comuns estão preparados para receber e conviver com alunos deficientes e portadores de necessidades especiais? Eles correm o risco de serem deixados de lado ou se tornarem vítimas de intolerância e bullying?

Doug Alvoroçado assegura de maneira enfática: ser deixados de lado é o que já acontece hoje. Ser vítima de bullying já é uma realidade.

A construção da convivência irá tirar estas pessoas da condição de invisibilidade e maus tratos. A convivência e a criação de espaços sociais para todos vai dar respeito e voz a estas pessoas para que todas e todos entendam que não existe “pessoa normal ou comum” e que a deficiência é uma diferença positiva, e não uma doença.