Sexo das minhocas: se fossem gente, poderiam ser chamadas de taradas – Por Mouzar Benedito

reprodução autorizada pelo autor
Fiquei encarregado de escrever sobre como plantar, cuidar e colher 250 culturas. Para isso, tive boas fontes
Já trabalhei ou colaborei em quase todos os tipos de jornais e revistas. Política, economia, educação, aventuras, literatura, humor, caminhoneiros, esportes náuticos, música, de sindicatos variados (metalúrgicos, médicos, bancários…). Costumo dizer que só não trabalhei em revista de mulher pelada. Não porque não quisesse, mas porque nunca tive oportunidade. Um dos melhores trabalhos que fiz como jornalista foi… sobre agricultura! Trabalhei no Guia Rural Abril, um anuário como nunca teve igual. Foi de 1985 a 87, para uma edição que saiu em janeiro de 1986 e outra em janeiro de 88.
Estava desempregado e um amigo, o Celso, também desempregado até pouco antes, me falou do novo emprego dele e me sugeriu que fosse lá falar com o editor. Fui. Nivaldo Manzano estava criando a tal publicação inédita e, quando esse amigo me apresentou a ele como jornalista à procura de emprego, ele falou: “Tem uma vaga aqui, mas tem que ser jornalista que entenda de solo e clima…”. Respondi: “Bem… Sou formado em geografia e jornalismo”. Nem me deixou sair dali, comecei a trabalhar imediatamente.
Fizemos uma publicação com umas 450 páginas, tratando de assuntos dos mais variados relacionados à agropecuária. Fiquei encarregado de escrever sobre como plantar, cuidar e colher 250 culturas. Para isso, tive boas fontes: pesquisadores e produtores. Por exemplo: encontro de pesquisadores e produtores de alho, batata e cebola na Faculdade de Agronomia de Viçosa (MG); encontro nacional de pesquisadores e produtores de mandioca em Balneário Camboriú (não vou comentar sobre esta cidade hoje); de gengibre em Pariquera-Açu (SP)… e muitas unidades da Embrapa, como a de Cruz das Almas (BA), especializada em frutas de clima tropical (banana, manga, mamão, abacaxi…); de Pelotas (RS), especializada em frutas de clima temperado (pêssego, maçã etc.); do Distrito Federal (especializada em tudo quanto é hortaliça); de Sete Lagoas (MG), especializada em arroz e feijão… E fui ao Instituto Agronômico de Campinas, onde aprendi sobre bambus, suas mil e umas variedades e utilidades, e sobre o cultivo de café. Fui, ainda, a um encontro de pesquisadores de uma porrada de coisas na faculdade de agronomia de Lavras (MG), além de entrevistar em Curitiba um pesquisador especialista em própolis. Unia o gosto pelas viagens com o aprendizado que gostava muito também.
Para se ter ideia do que foi o Guia Rural, quando saiu a primeira edição, o Nivaldo foi aos Estados Unidos com a missão de ver e talvez se inspirar em publicações gringas sobre agropecuária. Levou muitos exemplares do Guia Rural e deixou os editores e pesquisadores de lá pasmos, dizendo que naquele país “mais desenvolvido do mundo” nunca tiveram condições de produzir uma publicação como aquela, como é que no Brasil…
Um dos frutos desse trabalho, vi uns anos depois, quando fui participar de umas filmagens no sertão baiano. Uma delas seria no IRPAA – Instituto Regional de Pequena Agropecuária Adequada.
O diretor mostrou, entre outras coisas, o trabalho que o Instituto fazia com agricultores e com jovens estudantes do curso técnico agrícola de Juazeiro, na Bahia, que formava basicamente mão de obra para a agroindústria regional, sem nenhuma preocupação ambiental ou social. O IRPAA fazia uma programação intensa com pequenos agricultores e dava bolsas de estudos para melhorar a formação dos estudantes, e aí entrava um trabalho importante: conhecer mais sobre o semiárido, entender sobre ele e respeitá-lo, trabalhar adequadamente. Assim me disse o Haroldo, criador e líder do IRPAA: “A gente não pode querer transformar a Caatinga, tem que entendê-la e nos adequarmos a ela. Veja a Suíça: lá não tentam acabar com a neve, os moradores aprenderam a conviver com ela e praticam uma agropecuária apropriada”.
Respondi: “Uai… Isso parece com uma matéria grande que fizemos numa revista sobre a agropecuária no semiárido. Falamos a mesma coisa, até o exemplo citado foi a neve na Suíça”. Era uma matéria bem grande, mais de 20 páginas, com o título “É preciso conviver com a seca”. Perguntou que revista era essa, respondi, ele arregalou os olhos e falou: “O IRPAA foi criado por causa daquela matéria”. Fiquei até emocionado e pensei logo em falar pro Nivaldo: só isso valia a criação do Guia Rural, E muito!
O Haroldo me mostrou então uma série de panos que usavam no trabalho que faziam, com desenhos mostrando o solo fértil, com humos, minhocas e outras formas de vida, e o infértil, sem nada disso. E muitos outros panos com outras ilustrações. Tudo reproduzindo ilustrações do Guia Rural! Não fizeram slides, prática comum na época, porque trabalhavam em áreas que nem tinha eletricidade e um projetor de slides seria inútil ali. Os panos funcionavam como um painel fácil de carregar enrolado.
Bom… Depois da publicação do Guia Rural, que saiu em janeiro de 1986, começamos a produzir a edição seguinte, que sairia em janeiro de 1988, com maior respaldo dos pesquisadores por causa da boa qualidade da primeira edição. Muitos dos encontros que citei foram para esta edição. A Editora Abril (que na época produzia boas revistas e era inovadora) resolveu contratar mais alguns bons jornalistas para isso. Um deles veio de uma revista que não tinha nada a ver: a Playboy. Josué, um excelente jornalista, tinha se desentendido com a direção da revista e acabou sendo transferido para o Guia Rural. Não pensem que foi um castigo e que não deu certo: foi uma grande contribuição.
O Nivaldo teve uma ótima sacada: ele previa para a segunda edição do Guia Rural uma grande matéria sobre minhocas, com o título “O arado da natureza”, que seria o primeiro trabalho do Josué e um outro jornalista. Um box era bem apropriado para um jornalista vindo da Playboy: o processo de reprodução das minhocas. Ou seja, o sexo das ditas-cujas. Aprendi muito com a matéria e esse box, chamado “Toda uma noite de amor”. Ele escreveu de uma maneira que dava vontade de ler, de uma maneira quase erótica, digna da Playboy. E informativa.
Por aquela matéria, fiquei sabendo que as minhocas (mais de 1800 espécies) são hermafroditas, quer dizer, têm os dois sexos.
O Josué falou do “enlace” delas, que não é bem um enlace, porque minhoca não tem braços nem pernas. Com exceção de algumas minhocas que se autofecundam, quando elas estão prontas para copular, geralmente em noites úmidas, soltam uma secreção para atrair o par, mas para isso um cuidado é que as duas sejam do mesmo tamanho, pois formando um 69, uma encaixa a parte masculina na parte feminina da outra, e vice-versa. Isso dura uma hora e meia, até que ambas liberem o chamado “líquido prostático” (eu chamaria de esperma minhocal). Ou seja: as duas são fecundadas numa mesma relação sexual de fazer inveja nos seres humanos. As relações se repetem o resto da noite, em cima do solo, com troca de parceiros, e só param quando o sol nasce, porque minhoca não gosta de luz.
Brinquei: com essa matéria do Josué, muita gente vai querer nascer minhoca na próxima encarnação. Mas será que todas chegam a essas gloriosas noites de amor antes de serem pegas para servir de isca para peixes ou serem abocanhadas por galinhas?