12 de setembro de 2019

No Papo de Boteco, Fabiane Secches falou sobre Elena Ferrante

Fabiane (a 3ª a partir da esquerda) falou sobre as narradoras da escritora italiana
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Elena Ferrante é a escritora do momento. Descoberta por críticos, como James Wood, que consagrou a qualidade literária de sua obra, a autora italiana já vendeu milhões de exemplares em todo o mundo. Conquistados público e crítica, é inevitável a pergunta: qual a receita de sucesso de Elena Ferrante? Como pode ser tão popular, profunda e consistente ao mesmo tempo?

Fabiane Secches, psicanalista e doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada, foi convidada para falar sobre Elena Ferrante no Papo de Boteco, realizado pela Galática Educação & Cultura. O encontro aconteceu no dia 9 de setembro no bar e restaurante Sujinho. O Papo de Boteco é uma criação da Galatica com o conceito de ser um happy hour para a mente. A proposta é a de por novas ideias na cabeça e provar que é possível ter uma conversa de conteúdo num ambiente descontraído, fora dos meios acadêmicos.

Fabiane Secches acredita que o sucesso de recepção de Elena Ferrante se deve à forma como escreve: a escritora recorre a recursos do melodrama e até mesmo da literatura folhetinesca – a exemplo de escritores consagrados como Alexandre Dumas – mas, ao mesmo tempo, cria obras densas, em que faz mergulhos verticais no âmago dos personagens.

Embora aborde questões urgentes do nosso tempo, como a corrupção, a violência e o desamparo, Ferrante também recupera elementos da tragédia e da epopeia, flertando com a Antiguidade Clássica.

O tema da conversa foi As narradoras de Elena Ferrante. A especialista fez uma análise das narradoras dos romances da autora – Delia, Olga, Leda, Celina e Elena Greco – todos escritos na primeira pessoa. As narradoras têm diferenças e semelhanças importantes entre si e, a partir desse contraste, é possível pensar em temas e procedimentos que se repetem na obra de Ferrante, como  também nas especificidades de cada livro.

“A principal semelhança entre as narradoras é que todas escrevem e contam a história apenas sob uma ótica própria. É sempre um relato único e pessoal, encharcado da perspectiva de quem narra. Não há outros pontos de vista no texto”, explicou Fabiane Secches.  

Nos quatro livros que compõe a tetralogia napolitana – A Amiga GenialHistória do Novo SobrenomeHistória de Quem Foge e de Quem Fica e História da Menina Perdida – Ferrante traça uma verdadeira saga sobre a amizade de duas meninas – Lila e Lenu – na Itália do pós-guerra (meados dos anos 50) até o século 21, passando pela operação Mãos Limpas e a Camorra (máfia).

Elena Greco, a narradora da tetralogia, conta a história de duas amigas muito ligadas uma à outra, mas de temperamentos diferentes, e aborda temas como a pobreza e a violência vividas na periferia de Nápoles.

Sobre a obra de Ferrante, o crítico James Wood, da revista The New Yorker, diz o seguinte: “em cada um de seus livros, somos surpreendidos por mulheres complexas, que desafiam qualquer estereótipo: mulheres fortes, imperfeitas e complicadas, com as quais nos identificamos em alguma medida. A banalidade da vida é apresentada de maneira torcida, com suas infinitas nuances, e a autora joga uma nova luz sobre temas como identidade, maternidade, casamento e amizade. Subverte a lógica que atravessou o mercado editorial por séculos, com sua divisão de literatura feminina, chamada de chick lit.”.

Wood diz ainda: “ela é autora de romances memoráveis, lúcidos, ferozmente honestos. A construção de personagens femininas é um dos pontos altos de sua obra”.

Outro ponto interessante e polêmico da obra de Elena Ferrante são as capas dos seus livros, popularescas e destoantes do conteúdo, lembrando os antigos romances de bolso açucarados e comerciais. As capas podem enganar os desavisados, pois não cumprem o que prometem.

Não faz muito tempo, o mundo literário parou para comentar a reportagem que teria “desmascarado” Elena Ferrante. A reportagem do jornalista Claudio Gatti partiu da comparação de planilhas de pagamento da editora Edizioni e/o, que foram cedidas por uma fonte anônima, e também de registros imobiliários públicos, para então traçar paralelos entre o sucesso comercial de Ferrante e as transferências bancárias efetuadas à tradutora italiana Anita Raja. 

Realizado desde o início de 2019, o Papo de Boteco agora tem como local de reunião o tradicional Restaurante Sujinho. Com seu nome irreverente, o Sujinho segue com uma história de mais de 50 anos. 

Em uma carta datada de 1991, anterior à publicação de seu primeiro livro, Ferrante escreve a seus editores: “eu acredito que os livros, uma vez que tenham sido escritos, não tenham qualquer necessidade de seus autores. Se eles têm algo a dizer, vão encontrar cedo ou tarde seus leitores”.

Em uma entrevista concedida por escrito a um veículo português, a autora italiana argumentou que seu trabalho pretendia chamar a atenção para a unidade original entre autor e texto e para a autossuficiência do leitor, que poderia deduzir dessa unidade tudo aquilo que fosse necessário.

Para Fabiane Secches, Ferrante nos lembra, como também fizeram Clarice Lispector e Virgínia Woolf à sua maneira, de que as coisas são muito mais complicadas do que supõem os leitores desavisados, pois sua obra revela as camadas mais obscuras das mulheres, que representa com muita honestidade.